O bordado é uma atividade artesanal ensinada entre as mulheres há muitos séculos, é uma herança cultural passada entre gerações e portanto sua origem em Ibitinga é incerta. É muito provável que as mulheres imigrantes e migrantes chegaram à cidade fazendo artesanatos aprendidos com suas mães, tias e avós em seus locais de origem. Os itens bordados mais antigos de Ibitinga certamente vieram com os colonos de Minas Gerais, com a família Landim.

Em um primeiro momento o bordado ainda era visto como atividade doméstica de moças prendadas, aprendido para confeccionar os próprios enxovais e peças para enfeitar a casa ou presentear a família. Possuir peças bordadas era sinal de bom gosto e status social, a moda da época mostra como o bordado enriquecia as roupas, acessórios e enxovais.
A crise do café, consequência da quebra da bolsa de Nova Iorque, abalou a economia brasileira e principalmente as regiões produtoras do grão, como Ibitinga. Uma opção para muitas cidades superarem a crise foi investir em outras produções agrícolas ou na industrialização. Em Ibitinga a primeira tentativa de superar a crise foi através da diversificação agrícola, mais notadamente o algodão que chegou a dominar os nossos campos durante um tempo, e algum desenvolvimento industrial. Começaram a surgir na cidade carpintarias, selarias, olarias, funilarias, alfaiatarias, fábricas de vassouras, colchões, macarrão, laticínios, sabão, beneficiamento de arroz, entre outros artigos de consumo doméstico.
Enquanto os trabalhadores ibitinguenses buscavam alternativas para sua subsistência, suas mulheres se esforçavam para colaborar com a renda doméstica buscando atividades que conseguissem fazer enquanto continuavam responsáveis pelo cuidado com a casa e a família. Além dos serviços domésticos, uma opção para essas mulheres se tornou a produção de artesanatos para a venda. O bordado deixou de ser um hobby que dava status às moças prendadas e virou atividade econômica de subsistência familiar.
É neste momento em que surge a figura de Dioguina Sampaio. Dioguina Júlia Martins nasceu em 1896, em Vila Real, cidade de Trás-os-Montes em Portugal continental, a sua chegada em Ibitinga se deu em 1914, aos 18 anos. Dioguina veio com a família para trabalhar na lavoura, assim como muitos imigrantes portugueses na época. Era o auge do café, há poucos anos a cidade se conectara com a rede de ferrovias do Estado de São Paulo para escoar a produção do grão através de Santos. O avanço dessa economia favorecia o desenvolvimento do nosso nascente centro urbano.
Neste começo do século XX, uma boa parte da população ibitinguense era, assim como Dioguina, imigrante. Em 1920 cerca de 20% da população ibitinguense (que na época compreendia também Tabatinga e Nova Europa) era composta por estrangeiros e destes cerca de 20% eram portugueses, ou seja aproximadamente 4% da população local. Outras famílias portuguesas também participaram do movimento do início da produção e comercialização do bordado em Ibitinga, como os Figueiredo, Santos, Henrique, Guedes…

A exemplo das imigrantes portuguesas e madeirenses que criaram suas redes de produção e distribuição de bordados em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo para onde migraram em maior número, Dioguina (agora casada e levando o sobrenome Sampaio de seu marido) e outras mulheres organizaram o comércio e a produção de bordados em Ibitinga reproduzindo o modelo de negócio que vigorava na Ilha da Madeira através das Casas de Bordado. Inicialmente apenas recolhendo os bordados para revenda, posteriormente distribuindo encomendas para as bordadeiras. Mais tarde essas mulheres viriam a se tornar funcionárias dos salões, correspondendo o momento de inserção da mulher no mercado de trabalho pós segunda guerra mundial.
Importante salientar que neste momento coexistia a produção de peças bordadas a mão e a máquina. O bordado manual era ensinado nas famílias e também nas escolas públicas da cidade em aulas de artes, artesanatos e trabalhos domésticos para as meninas. Muitas meninas saíam da escola com encomendas garantidas pelas professoras que já estavam inseridas na rede de comércio de enxovais. Os principais produtos bordados a mão eram infantis, pela delicadeza do trabalho. Enquanto isso, o bordado a máquina era ensinado em escolinhas especializadas com professoras particulares, e também por comadres e familiares. Uma enorme rede de mulheres ensinando umas às outras uma atividade artesanal de acordo com o que haviam aprendido entre elas e na prática da produção local. Nesta época Ibitinga já se tornava um lugar de referência para a compra de enxoval com roupas para cama, mesa, banho e bebê.
Os bordados de Ibitinga determinam a estética de boa parte dos lares brasileiros desde pelo menos a década de 50, quando um movimento de industrialização tomou conta da cidade aumentando muito a produção de bordados com a chegada das primeiras máquinas de borda industriais. Até então as máquinas de bordar utilizadas eram principalmente máquinas de pedal, que dependiam do esforço repetitivo das pernas das bordadeiras.
Os primeiros salões de bordado já funcionavam há anos quando a chegada da máquina conhecida como “cabeça preta” da Singer transformou o que eram oficinas de trabalho em fábricas industriais. A popularização do processo fez aumentar o comércio de bordado e incentivou o desenvolvimento de uma adaptação na máquina de bordar que mudaria para sempre o destino de Ibitinga. Nas oficinas do revendedor da Singer, Gottardo Juliani, um pequeno mecanismo era alterado nas máquinas que davam um controle maior às bordadeiras sobre o seu trabalho. Isso foi suficiente para aumentar as vendas das máquinas Singer na cidade e chamar atenção da sede da empresa que acabou patenteando a inovação e lançando uma máquina de bordar feita especialmente para as bordadeiras ibitinguenses.
Como consequência, multiplicaram na cidade novos salões de bordado, e mais bordadeiras transformaram suas garagens, salas, cozinhas e quartos em local de trabalho. Tornou-se impossível ignorar o crescimento desta atividade econômica na cidade e sua produção disseminada no restante do país. É a partir deste momento que os homens entram definitivamente neste mercado, a princípio apenas ajudando suas esposas, mães, filhas, cunhadas… e em pouco tempo tornando-se eles também bordadores e empresários do ramo. Inicialmente toda a linha de trabalho era desenvolvida pelas mulheres, desde o risco até a venda final, passando pelo bordado em si, por desfiar o crivo, pelo corte dos bicos, por lavar e passar, e todo o intermediário entre uma e outra função. Quando os homens começaram a participar do processo houveram campanhas na rádio e jornal locais para diminuir o preconceito. Em Ibitinga bordado também é trabalho de homem, é o que sustenta as nossas famílias.
Ainda assim, na década de 70 e 80, grande parte das trabalhadoras do bordado eram mulheres jovens de pouca escolaridade que muitas vezes haviam abandonado os estudos para o trabalho nas empresas. Devido ao fato de o bordado não ser considerado profissão na época, havia dificuldades para o registro das trabalhadoras em carteira de trabalho. Essa situação mudou com a organização do Sindicato das Bordadeiras de Ibitinga em 1988 e a sua luta para o reconhecimento nacional e regularização da profissão, conseguida em 1990.
A partir deste momento, as empresas foram pressionadas a assinar as carteiras de trabalho das bordadeiras e a profissão passou a ter um piso salarial, hora extra, auxílio doença, entre outros direitos trabalhistas. Essa regularização revelou que cerca de 85% das famílias ibitinguenses se sustentavam a partir da indústria do bordado no começo da década de 90. Essa porcentagem pode ainda ter sido mascarada pelo fato de muitas empresas não terem regularizado suas trabalhadoras, já que boa parte do serviço sempre foi realizada pelas bordadeiras terceirizadas em suas próprias residências.

Com a invenção das máquinas de bordar computadorizadas, as empresas substituíram suas bordadeiras por mais cabeças de máquina que produzem o mesmo padrão determinado pelo designer no computador. Hoje em dia grande parte da produção ibitinguense é computadorizada feita em empresas cujos funcionários são em sua maioria homens, migrantes nordestinos que vieram para a terra do bordado em busca de trabalho e sustento de suas famílias. Mas o bordado tradicional ibitinguense ainda resiste nas saletas de algumas casas, com novas influências promovidas pelos contatos com ideias e desenhos diferentes, porém ainda produzidas através da técnica tradicional desenvolvida nesse último século de atividade artesanal na cidade. Os bordados de Ibitinga ainda são revendidos por lojas especializadas que trazem a tradição do bordado artesanal ou pelas próprias e próprios artesãos na Feirinha de Artesanato de Ibitinga.